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O princípio da proibição do retrocesso social como luz no fim do túnel para alunos deficientes na rede de ensino público
Em tempos de crise financeira o discurso de cortes nos gastos públicos se faz necessário, assim é muito comum nos depararmos com gestores públicos optando por interromper diversos investimentos públicos, sobretudo em áreas de cunho social. Nesse cenário de austeridade econômica temos vistos diversos entes públicos sinalizando adoção de novas formas de tratamento para aqueles segmentos sociais e que até então vinham recebendo investimentos e priorizados pelo poder público.
O objetivo é explicitar os efeitos dessas políticas de austeridade na Administração Pública e apontar que determinadas decisões, no que tange ao controle dos gastos, requer maiores cuidados por parte dos agentes públicos, sob pena de se cometer desrespeito aos princípios constitucionais.
Diante desse cenário uma das áreas que mais sofre cortes nos gastos é a Educação, notadamente nos âmbitos dos Estados e Municípios, pois com a diminuição dos repasses dos recursos da União, muitos Governadores e Prefeitos acabam adotando políticas de austeridade e cortam muitos dos gastos e investimentos na sua respectiva rede pública do ensino básico. Logo, é nesse momento que vemos muitas autoridades políticas cometendo equívocos em suas políticas de controle de gastos.
Sabemos que é dever das escolas da rede pública de ensino receberem e ampararem os alunos deficientes nas escolas e também criar melhores condições estruturais e profissionais que facilitem a inclusão desses alunos no âmbito escolar. Com efeito, a rede básica de ensino público ao longo da década passada recebeu significativos aportes de recursos públicos, pois a política de outrora tinha como meta incentivar e melhorar o ensino básico público em todo país, com isso muitos alunos deficientes foram de fato incluídos na rede de ensino público e passaram a ter acompanhamento profissional especializado nas escolas públicas.
Ocorre que com advento da crise econômica e a instituição de uma política no controle das contas públicas, sobretudo pela imposição da instituição do “teto” nos gastos públicos, vem ocorrendo massivos cortes nos investimentos destinados a proporcionar a inclusão e melhorar as condições escolares dos alunos deficientes nas escolas públicas, razão pela qual, muitos Estados e Municípios, sob o argumento da necessidade dos cortes nos gastos, vêm adotando medidas que visam desnaturalizar ou até mesmo cancelar o andamentos dessas políticas de inclusão desses alunos.
Atualmente muitos Estados e Municípios vem adotando políticas paliativas, visando substituir e reduzir os gastos com estes alunos, na medida em que estes necessitam de cuidados especiais em sala de aulas, pois possuem o direito de ter um professor exclusivo para acompanha-los nas aulas; adaptando as atividades escolares em conformidade com suas particularidade e necessidades, fato que na visão de muitos gestores públicos é considerado um fator oneroso, de modo que tais gastos por serem direcionados a uma minoria de alunos, vem sendo encarados como desnecessário ou tratados sem a devida prioridade pela Administração Pública.
Por isso, recentemente temos vistos muitos alunos deficientes sendo prejudicados na rede de ensino público, pois tem sido comum perderem o acompanhamento pedagógico adequado, devido a retirada dos professores contratados para atender as necessidades desses alunos, sob o argumento de que é preciso “enxugar” os gastos públicos, fato que além de afetar a inclusão desses alunos, também prejudica ainda mais o seu desenvolvimento.
Assim como forma de camuflar a continuidade dos direitos do aluno deficiente muitos gestores públicos têm buscado fazer a substituição dos professores com qualificação específica para este tipo de cargo, ou seja, professores com ensino superior capacitados para exercer a bidocência, pela contratação de auxiliares com escolaridade com nível médio para preencher estes cargos.
Como se nota, a intenção é reduzir o cargo de nível superior com qualificação para atuar como bidocente para o cargo de (Auxiliar de Apoio ao Educando) tendo como requisito, para o preenchimento do cargo, apenas a conclusão do Ensino Médio; além do mais a prestação deste serviço ocorrerá através de um formato de terceirização nesse serviço educacional, pois serão contratados por empresa interposta para oferecer o empregado (Auxiliar) que irá prestar o serviço em diversas escolas.
Por fim, a justificativa da substituição da contratação de profissionais com ensino superior, qualificados para o cargo de professor bidocente, por auxiliar com escolaridade de nível médio ocorrerá em decorrência a crise econômica e pelos cortes nos gastos público, sob pena de infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em que pese os argumentos apresentados pelas Administração Pública de Estados e Municípios, aplicação de tais medidas merecem cautela, sob pena de ser infringidos direitos subjetivos reconhecidos e alçados a patamares de status de nível constitucional, conforme demonstrado abaixo.
Os Tribunais do país, bem como a própria suprema corte (STF) tem reconhecido o “Princípio da Proibição de Retrocesso Social” por meio de uma interpretação mais condizente com os princípios constitucionais e os direitos sociais assegurados na Constituição.
Em linhas gerais, a finalidade do “Princípio da Proibição de Retrocesso social” tem por escopo vedar a supressão ou omissão dos direitos fundamentais sociais, em face dos níveis já alcançados e garantidos aos cidadãos, no caso em tela, o direito à inclusão e o acompanhamento especializado dos estudantes deficientes da rede estadual e municipal de ensino por professores qualificados. Assim, não seria permitido abandonar os avanços sociais já conquistados ao longo de anos, sob argumentos de escassez de recursos financeiros.
Portanto, há uma luz no fim do túnel para aqueles que se opõe as medidas dos Estados e Município, pois o “Princípio da Proibição do Retrocesso Social” reveste os direitos fundamentais de estabilidade em face das conquistas asseguradas, podendo assim ser um impedimento legal para que Administração Pública não suprima ou se recuse assegurar aos alunos deficientes da rede ensino público o direito a inclusão e o acompanhamento especializado nas escolas.
Por Douglas Salazar
Advogado integrante do escritório Sahes Advocacia e Consultoria;
Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Referências: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 427 p. / SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 493 p.